quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Da Educação (Excurso III)

Da consideração do inventário de significados suscitados na nossa mente pelo lexema ‘educação’ (através de um exercício de consulta levado a cabo nos nossos dicionários de língua portuguesa), ressaltam quatro fundamentais pólos de interpretação, compreensão e inteligibilidade conceptual e cognitiva, interligados e integrados num alinhamento sintáctico de natureza fenomenológica e processológica por que se distribui um forte sentido arquitectónico e sistematizador, tanto de intenção teorética como práxico-poiética:

– a educação — enquanto acção endógena e exogenamente orientada e conduzida para o «alimento» e o desenvolvimento integrado do ser humano (considerado, antidualisticamente, em sua complexa e intrínseca unidade «corpo-mente», «corpo-espírito» [body-mind] …), designadamente das qualidades e capacidades corpóreas, sensoriais, afectivas, noéticas, intelectuais, axiológicas, poéticas, estéticas, éticas, atitudinais, sociais, etc.;

– a educação enquanto efeito e metamorfose, decorrentes dessa acção;

– a educação enquanto processo de instrução, ensino e formação, com diferentes graus e níveis de institucionalização, formalização, exigência e consecução;

– a educação enquanto específico sistema e serviço social, constitutivamente fundamentado em princípios antropológico-culturais, histórico-geográficos, político-sociológicos, filosófico-axiológicos e epistemológicos que comporta os indispensáveis meios organizacionais, institucionais, estruturais e funcionais, tendo em vista a consecução dos fins que justificam e legitimam a sua existência.


(De notar que o nome ‘educação’ provém do substantivo latino educatio, -onis [= em sentido literal: criação de animais ou de crianças, alimentação…; em sentido figurado: formação, instrução, ensino…], portador da mesma raiz — duc- — presente nos verbos educare [= fazer crescer, nutrir, alimentar, cuidar de, criar…, formar, educar…] e educere [<>+ ducere = fazer sair de, conduzir e orientar «para fora», a partir de dentro…].

Por outro lado e a propósito da unidade «corpo-mente» [body-mind], creio não estar errado quando penso que o «corpo glorioso» de que, no contexto da ressurreição final, se fala no Evangelho (cf.: Mt 22, 23-33) consubstancia bem essa irredutível unidade definitivamente consagradora do valor do «corpo humano vivo», tanto mais que, na própria celebração do sacramento da eucaristia (sacramento da plenitude «nutriciente» vivificante, tonificante e reconstitutiva e, assim, da sustentabilidade perenizante e transcendente...), não se recebe propriamente, de modo isolado, o spiritus ou a anima Christi: o que se recebe é, sim, inteira e unitariamente, o corpus Christi, o corpo de Cristo, sendo que, na sagração e transubstanciação da hóstia, o sacerdote diz: «hoc est enim corpus meum»; e não: «hoc est enim anima mea» ou «hoc est enim spiritus meus»...

Para a indispensável articulação correlacionante e co-implicante «corpo-alma <> eucaristia <> corpo ressuscitado», ver: Concílio Ecuménico Vaticano II — Constituições, Decretos, Declarações e Mensagens Conciliares, Coimbra, Gráfica de Coimbra, 2002, 197 ss, 350 ss e passim; ver também: Catecismo da Igreja Católica — Compêndio, Coimbra, Gráfica de Coimbra, 2005, 87 ss, artigos 202-206, e 116 ss, artigos 271-294 e passim. Para mais fácil consulta, recorrer aos funcionalíssimos índices temáticos e conceptuais: «corpo», «eucaristia», «comunhão», «ressurreição dos mortos», «transubstanciação»...)


No modo de conceber e entender a ideia de «educação», importa destacar a omnipresença das vertentes teorética, práxica, crítica, estética, poética e axiológica por que ela se desdobra, bem como a irredutível dimensão cultural em que ela concretamente se institui, organiza e desenvolve, enquanto possibilidade da evolução sapiencial e formativa estruturantemente modeladora de pessoas, instituições e sociedades, enquanto capacitação maior da constante e sistemática interpretação e compreensão antropológica e da antrópica superação do homem por si próprio, enquanto imprescindível condição não só para a concepção, melhor fundamentada, de uma «visão» holística e «holofótica» do mundo, mas também e sobretudo para a realização integrada e desejavelmente integral da humanidade do homem (somatosférico, psicosférico, sociosférico, biosférico, geo-cosmosférico…), assumindo-se, desse modo, como motor sereno do processo global da humanização...

Defluente de uma construção epistemologicamente mais consistente e coerente e, assim, mais adequadamente iluminante dos próprios actos, caminhos e trajectos que configuram a sua yevr€a (theoria) prospectiva, descritiva e explicativa, a sua prãjiw (praxis) empenhada e transformadora, a sua a‡syhsiw (aisthesis) receptora, compreensiva e interiorizadora, a sua kr€siw (krisis) judicativa, distintiva, diferenciadora e decisional e a sua po€hsiw (poiesis) instauradora, inventivo-inovadora e criatiava, a Educação configura a irrenunciável e inesgotável utopia e o inalienável thesaurus tão afincadamente defendidos pela Comissão Delors (Cf. Jacques Delors (org.): «La educación o la utopia necesaria», apud AAVV: La educación encierra un tesoro, Madrid, Grupo Santillana de Ediciones / UNESCO, 1996, 13; Educação: um tesouro a descobrir — Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, Porto, Edições ASA, 1996.), em suma, a libertadora Magna Charta Humanitatis, perpetuadora daquela mesma Paide€a (Paideia) que os mais famosos Sábios da velha Hélade imortalizaram para sempre na Cultura da Europa e do Mundo.

Fernando Paulo Baptista

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