quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Da Educação (Excurso II)

Uma concepção da cidadania que se pretenda actualizada e inovadora não pode deixar de considerar, hoje, as cinco dimensões essenciais a que, com inteira pertinência, se refere Roberto Carneiro (cf. Roberto Carneiro: Fundamentos da Educação e da Aprendizagem, Vila Nova de Gaia, Fundação Manuel Leão, 2001, 264-267) — dimensões essas que aqui reescrevo em complementante e mais desenvolvida paráfrase:

1 – a dimensão da democraticidade, fundada na centralidade do valor e da dignidade da pessoa humana, com toda a espécie de implicações daí decorrentes, nomeadamente: o acesso efectivo à saúde, à alimentação, à educação, à grande arte, à grande cultura e à grande ciência, à formação ao longo da vida (lifelong learning), à «multimedialidade» (cf. Roberto Maragliano: Esseri multimediali. Immagini del bambino di fine millennio, Firenze, La Nuova Italia, 1996) e à «enciclomedialidade» (cf. por todos, Umberto Eco: Encyclomedia: guida multimediale alla storia della civiltà europea [risorsa elettronica], Milano, Opera Multimedia, 1995-1998) e ao domínio das novas linguagens da comunicação, bem como o direito ao exercício da livre crítica na desmontagem argumentativa das mensagens manipuladoras, à garantia do pluralismo no pensamento e na acção...;

2 – a dimensão da socialidade, co-envolvendo a formação de uma forte consciência dos direitos e dos deveres sociais e de um sentido solidário e pró-activo perante fenómenos como os da pobreza, da exclusão e da marginalidade, a realização dos valores da justiça e da equidade, o incremento da igualdade de oportunidades, a defesa dos desvalidos e dos mais fracos...;

3 – a dimensão da paridade, com a promoção despreconceituosa do desenvolvimento superador de toda a espécie de assimetrias e, assim, a valorização simétrica, harmoniosa e transelitista das potencialidades do ser humano, através do combate, sem tréguas, a todo e qualquer tipo de discriminação, exclusão, segregação ou violência...;

4 – a dimensão da interculturalidade, com a defesa universal da diversidade das culturas, o respeito pela afirmação da singularidade de cada uma, ainda que minoritária, o cultivo do diálogo polifónico, aberto e compreensivo e a recusa de qualquer tipo de tentação de natureza imperial, hegemónica ou neocolonialista...;

5 – a dimensão da ambientalidade ecossistémica, com o sagrado respeito pela Terra, a imperativa preservação dos bens da natureza, da biodiversidade e do equilíbrio e sanidade dos elementos, no quadro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável e na perspectiva da salvaguarda da vida e do futuro humano do Planeta...

Essa postura multidimensional de fundo implica necessariamente a defesa intransigente da já referida parificação relativamente a todo e qualquer cidadão, contra toda e qualquer manifestação preconceituosa, xenófoba, discriminatória e exclusora ou contra o não reconhecimento do inviolável direito de sermos diferentes, no pressuposto ontopoiético de que o outro, longe de ser o sartriano inferno («l’enfer c’est les autres» [cf. Jean-Paul Sartre: Huis Clos, Paris, Gallimard, 1986, 41]), é, pelo contrário, o constituinte primigénio da nossa própria ontidade e identidade (cf., por todos, Martin Buber:¿Qué es el Hombre?, México-Madrid-Buenos Aires, Breviários, FCE, 131986; Eclipse de Dios, Salamanca, Ediciones Sígueme, 2003 e Emmanuel Lévinas: Totalidad e Infinito – Ensayo sobre la exterioridad, Salamanca, Ediciones Sígueme, 72002)...

O que significa que, na Cidade, todos devemos ser equitativamente iguais de facto e de direito (ou mais explicitamente: de direitos e de deveres, de obrigações e de condições…), designadamente no que toca àquela legítima garantia que, nas já evocadas três fundamentais fases, estádios ou períodos da nossa antropo-ontogénese — infância > adolescência > adultez —, nos permite aceder (sem outras restrições ou limites que não sejam os da nossa finitude existencial...) ao tesouro mais precioso da Humanidade: a Educação, a Cultura, a Arte, a Ciência, o Saber, a Sabedoria...

Por tudo isso, não consigo deixar de pensar e imaginar o que é que não viria a acontecer com cada uma das crianças do nosso país (de todos os países...), se lhe fosse dada a possibilidade e a oportunidade de percorrer, do princípio ao fim, os três naturais e atrás referidos grandes estádios ou períodos evolutivos e educativo-formativos, para poder crescer e ser mais e ser melhor, à sua maneira e à medida do que for sendo capaz, e partilhar activamente, em sua diferença e autonomia, em sua liberdade e em sua responsabilidade, a intérmina construção da «Catedral da Humanidade»...

É, ainda assim, que não desisto de me interrogar: não será essa Paideia Global e Avançada o mais importante dos «rios a norte do futuro» que importa que todos atravessem, por forma a potenciar a antrópica e sapiencial «explosão de todos os sóis», se me é lícito dizê-lo com estas feéricas e plenificantes metáforas de Paul Celan (cf. Paul Celan: Sete Rosas Mais Tarde — Antologia Poética [ed. bilingue de João Barrento e Y. K. Centeno], Lisboa, Edições Cotovia, 21996, 121, 109)?... E não será essa, também, a mais bela das utopias, alimentadora de todas os sonhos, desejos e esperanças e propulsora de uma verdadeira Mecânica Quálica da Humanidade, de uma inspirada e neguentrópica Poiética da Antropogénese?... Há que proporcionar, então, os indispensáveis meios e condições para que cada ser possa criar-se e desenvolver-se, vitalmente e sem limites, no fascínio, no sortilégio e no paradoxo de ser, concretamente e ao mesmo tempo, um ser singular e universal!...

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