quarta-feira, 28 de outubro de 2009

DA EDUCAÇÃO (Excurso I)

Todo e qualquer cidadão à luz do que está consignado, há várias décadas, na Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigos 1.º e 26.º), adoptada e proclamada pela Assembleia Geral da ONU, na sua resolução 217A (III), de Dezembro de 1948 (decorrido, portanto, mais de meio século...), e também com o que vem sendo defendido em conferências internacionais específicas (e.g.: a Conferência Mundial sobre o Ensino Superior, UNESCO, Paris, Outubro de 1998), tem o direito de aceder a todos os níveis da Educação e do Ensino, desde o Ensino Básico ao Ensino Superior inclusive, em coerente sintonia com o sentido da caminhada evolutiva e progressiva da História e da Cultura, em direcção à plena humanização do Homem, e de harmonia com as dinâmicas morfoplásmicas subjacentes aos três fundamentais estádios ou períodos vitais por que se desenvolve o processo antropo-ontogenético:

Infância > Adolescência > Adultez.

Importa sublinhar que um sistema educativo, coerentemente organizado, contempla, isomorficamente e em princípio, nos planos da «sintaxe» curricular e da prestação de serviço público, três grandes e homólogas sequências ou fases educativo-formativas que deveriam estar adequadamente articuladas entre si ao nível da concepção, da estruturação e do funcionamento:

Ensino Básico > Ensino Secundário > Ensino Superior.

Na decorrência de uma tal perspectiva ontogenética, antropológica, político-jurídica e organizacional, a arquitectura global de um verdadeiro sistema educativo, mais do que inspirar-se num «paradigma científico-tecnológico» instrumentificante dos actos educativos e formativos e gerador do poderoso «quadrimotor louco» (co-envolvendo a ciência, a técnica e tecnologia, a indústria e o lucro desenfreado do capitalismo selvagem...) de que fala Edgar Morin e que vem avassalando sombriamente Deméter, a nossa Terra-Mãe, deverá ser, em meu convicto entendimento, a expressão consubstanciadora de um novo e inovador «paradigma humanista» de matriz artística (estético-poética), antropológico-cultural e axiológica que coloque o ser humano — ênyrvpow [anthropos] — no coração do processo educativo e formador, enquanto protagonista maior desse mesmo processo, ou seja, enquanto sujeito de todas as aprendizagens, livre, responsável e solidariamente activo e criativo, por forma a situar a técnica, a ciência e a tecnologia — a «tecnociência» — no pólo dos meios e a integrá-las, de forma inclusora mas subordinada, na lógica dos princípios e na teleonomia dos fins.

(Para estas correlações e implicações, ver, entre outros: Edgar Morin: O Método V. — A Humanidade da Humanidade, Lisboa, Publicações Europa-América, 2003, 236; Adams, D. L., & Others: «Science, technology and human values: An interdisciplinary approach to science education», apud “Journal of College Science Teaching”, 1986, 15(4), 254-258; Giuseppe Longo: Homo technologicus, Roma, Meltemi, 2001; Emilio Martínez Navarro: Ética para el Desarrollo de los Pueblos, Madrid, Trotta, 2000, 127 ss, 189 ss; Rémi Brague: A Sabedoria do Mundo, Lisboa, Edições Piaget, 2002, passim; Javier Echeverría: Ciencia y Valores, Barcelona, Ediciones Destino, 2002, 117 ss, 211 ss; José Luis Molinuevo: Humanismo y Nuevas Tecnologías, Madrid, Alianza, 2004, 67-230; Pedro Ortega Ruiz y Ramón Mínguez Vallejos: Los valores en la educación, Barcelona, Ariel Educación, 2001, 205-253).

É por isso que proponho como ideia fundadora para a nossa educação da infância (que, em meu convicto entendimento, deveria constituir «a pedra angular» de qualquer sistema educativo…) o lema de que «cada criança é um poeta», de que «cada criança é um artista» («every child a poet; every child an artist»)... E faço-o, em clara, profiláctica e harmonizante sobre-posição (mas nunca, em exclusora contra-posição...) ao slogan do «every child a scientist» que tem vindo a atravessar, em quase avassaladora «monofonia», os jardins de infância dos Estados Unidos da América!…

(Cf. a proposta subscrita pelo National Research Council, plasmada na divulgadíssima brochura intitulada «Every Child a Scientist» — Achieving Scientific Literacy for All», Washington, DC, National Academy Press, 1998.)

Por outro lado, parece ter todo o cabimento e sentido desmontar, com fundamentada reflexão crítica, o preconceito do elitismo e a usura do marketing da excelência apriorística e virtual contra os princípios antropológicos e demótico-génicos da isogenia, da isotopia, da isonomia, da isegoria, em suma, da isopaideia e da isopoliteia, o mesmo é dizer, da parificação ôntico-ontológica, axiológica, antropagógica e política (politeica) da efectiva igualdade de acesso e de oportunidades, devidamente sustentada... Ou seja, torna-se cada vez mais urgente e pertinente o empenhamento ético-político na construção da real e efectiva igualdade de todos em tudo, e sempre na base do constante respeito pelas diferenças qualitativas reveladoras do mérito relativo de cada um e pelas competências e responsabilidades institucionais inerentes aos desempenhos hierárquicos, orgânicos e funcionais concretos

(A fundamentação para a elaboração deste meu «quadro conceptual» advém, entre outros, de Noberto Bobbio: Teoría General de la Política, Madrid, Editorial Trotta, 2003, 323 ss; Rosa Maria Rodríguez Magda: Transmodernidad, Barcelona, Anthropos Editorial, 2004, 147 ss e passim; Michelangelo Bovero: Una gramatica de la democracia — contra el gobierno de los peores, Madrid, Editorial Trotta, 2002, 15-33, 117 ss); Francisco Serra: História, política y derecho en Ernst Bloch, Madrid, Editorial Trotta, 1998, 27-30, 44).

Mas essa reflexão crítica e esse empenhamento axiológico não dispensam (não podem dispensar...) a assunção de uma adequada postura de fundo relativamente à questão da cidadania (em grego: ≤ polite€a [he politeia]), se esta for entendida (como julgo que deve ser...) como a qualidade, a condição e o estatuto identitário com o respectivo código de direitos e deveres, inerentes ao facto de ser cidadão (ı pol€thw [o polites]), isto é, ser, de corpo inteiro, membro constitutivo e integrante de uma comunidade política (≤ koinon€a ≤ politikÆ [he koinonia e politike]), o mesmo é dizer, de uma «comunidade de cidadãos», bem como o sistema e o regime organizativo e jurídico-administrativo da vida em sociedade, configurada, outrora, nas multímodas dinâmicas da «Pólis» (PÒliw) ou da «Ciuitas» e, actualmente, do Estado-Nação e, mais alargada e englobantemente ainda, da Comunidade das Nações ou da Comunidade Humana Planetária.

Fernando Paulo Baptista

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