sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

NASCER E PADECER... DO «PARTO» À «PIETÁ»...

Dedicado, desde logo e em registo de simbólica proximidade, à minhas Amigas do FaceBook; dedicado, acima de tudo e através delas, à memória de minha Mãe e em homenagem a todas as Mulheres que, para além dos «trabalhos do parto», sofreram ou sofrem, na paz ou na guerra, as agónicas e lancinantes dores da morte trágica de seus amados filhos tão precocemente roubados à Vida...


UM APONTAMENTO DE BASE LEXICAL


I. Semântica do «pathos» e do padecer:


a raiz indo-europeia: kwent(h)- / kwnt(h)-
foneticamnente evolucionada para: «path- / pati- / pass-», com as variantes «pass- /pac- / paix- / pati- / pato- »; esta raiz «veicula» a ideia geral de «sofrer, suportar, padecer...», ideia esta, que funciona como uma espécie de “ADN semântico”.


II. Inventário lexemático:

a) lexemas de proveniência latina (*):

apaixonar[-se] apassivante apassivar compaixão compassividade compassivo compatibilidade compatível impacientar[-se] impaciente impassibilidade impassível incompatível paciente paixão passa (s. f.) passibilidade passiflora passiflorácea passional passionalidade passionário passiva passivamente passível passividade passivo passo (adj.) patível…

(*) Relacionáveis com o verbo «patior, -eris, pati, passus sum» [= padecer, sofrer, suportar...] e com outros lexemas da mesma família etimológica [«passio, -onis, passus, passibilis, patientia, compatibilis, compassio»..., etc.]):


b) lexemas de proveniência grega (**):

alopatia alopático antipatia antipático antipatizar apatia apático cardiopatia empatia empático encefalopatia frenopatia hemopatia homeopata homeopatia homeopático patético patetismo patobiologia patofobia patoforese patogenesia patogenia patogénico patognomonia patognóstico patografia patólise patologia patológico patólogo patomania patometabolismo patomímia patonomia patopeia patopoiese psicopatia simpatia simpático simpatizar telepatia…

(**) Relacionáveis com o verbo «pascho» [= receber uma impressão ou uma sensação, sofrer um tratamento bom ou mau] e com outros lexemas da mesma família etimológica: «páthos», «sympátheia», «apátheya»], «empátheia», «pathetikós»...


III. Aplicações / Implicações:


A) — Considerar as díades científicas:

1. «simpático <> simpatético»

2. «simpático <> parassimpático»


1. «Simpático» e «simpatético» são dois termos (provenientes do grego «sympathikos» e «sympathetikos», através do latim medieval «sympathicus» e «sympatheticus») usados em Medicina para designar o «sistema do grande simpático», isto é, a parte do sistema nervoso que está em relação mais directa com os órgãos da vida vegetativa, que interage estreitamente com as vitais dimensões da sensibilidade, da emoção e da afectividade e com a capacidade global de sofrer e que regula, em especial, a circulação e as secreções, intervindo, também, nos actos reflexos.
(Cf. Robert K. Barnhart (ed.), Dictionary of Etymology, New York, Chambers Harrap Publishers Ltd, 2001, entrada “sympathy”, 1105 e também Peter Walker (ed.), Dictionary of Science and Tchnology, New York, Chambers Harrap Publishers Ltd, 1999, entrada “sympathetic nervous system”, 1137).


2. O sistema nervoso vegetativo (autónomo) e seus subsistemas: o sistema nervoso vegetativo (também dito autónomo), exerce a sua influência, essencialmente, sobre os órgãos internos: aparelho digestivo, respiratório, excretor, reprodutor, circulatório e glândulas de secreção interna, ou seja, sobre todos os sistemas que realizam as funções vegetativas do organismo, o metabolismo, o crescimento e a reprodução.
Considerando a disposição dos seus núcleos constitutivos e o tipo de influência por si exercida, o sistema vegetativo divide-se em dois subsistemas: a) o simpático; b) o parassimpático.
(Para uma caracterização bastante clara e acessível do sistema nervoso vegetativo e de seus dois subsistemas, ver L. Gavrilov e v. Tatarinov: Anatomia Humana, Moscovo, Editora MIR, 1988, 319-338; e também António Damásio: a) O Erro de Descartes — Emoção, Razão e Cérebro Humano, Lisboa, Publicações Europa-América, 1995, 108- 195; b) O Sentimento de Si — O Corpo, a Emoção e a Neurobiologia da Consciência, Lisboa, Publicações Europa-América, 2001, 60, 70, 182, 296, 297, 300.



B) — Organizar um «pódio lexical», tendo em vista o destaque do léxico próprio dos usos especializados, designadamente os usos científicos…


Pódio lexical:


simpático
alopatia alopático
antipatia antipático antipatizar apatia
apático cardiopatia empatia empático encefalopatia
frenopatia hemopatia homeopata homeopatia homeopático
patético patetismo patobiologia patofobia patoforese patogenesia
patogenia patogénico patognomonia patognóstico patografia patólise
patologia patológico patólogo patomania patometabolismo patomímia patonomia patopeia patopoiese psicopatia simpatético simpatia simpático simpatizar telepatia…



C — Ler o belo poema de Miguel Torga:



Pietá



Vejo-te ainda, Mãe, de olhar parado,
Da pedra e da tristeza, no teu canto,
Comigo ao colo, morto e nu, gelado,
Embrulhado nas dobras do teu manto.

Sobre o golpe sem fundo do meu lado
Ia caindo o rio do teu pranto;
E o meu corpo pasmava, amortalhado,
De um rio amargo que adoçava tanto.

Depois, a noite de uma outra vida
Veio descendo lenta, apetecida
Pela terra-polar de que me fiz;

Mas o teu pranto, pela noite além,
Seiva do mundo, ia caindo, Mãe,
Na sepultura fria da raiz.

Miguel Torga, Poesia Completa [Diário I],
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2000, 117



Sugestão final:


1. Ler / dizer o poema, visionando a «Pietá» de Michelangelo Buonarroti (basta abrir, por exemplo, em: http://it.wikipedia.org/wiki/Piet%C3%A0_(arte);

2. Escutar (em atitude meditativa e «mística»...) a «St. Matthew Passion», BWV 244 / Part One - No.3 Choral: "Herzliebster Jesu, was hast du verbrochen" by English Baroque SoloistsFrom the Album Bach, J.S.: St. Matthew Passion, BWV 244). Considerar, para o efeito, a «transcrição» aqui presente nesta página do meu «mural»...


Nota final: tenho imensa pena de não ser possível a transcrição das palavras gregas com os caracteres do grego clássico.


Com todo o carinho,

Vosso
Fernando Paulo

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

PARA UM NOVO ARQUÉTIPO DE «SÁBIO»!...

Face ao global contexto da profunda crise em que o planeta está mergulhado, torna-se imperioso não só aprender a dominar e a regular estrategicamente o efectivo e tremendo poder que já vimos exercendo sobre a natureza, sobre o homem e sobre o mundo, mas também instituir a mathesis, a aletheutica, a metrica, a sophia e a sophrosyne de uma nova Educação, de uma nova Ética e de um novo Direito: natura siue humanitas > humanitas siue cultura siue paideia > magister siue discipulus > creator siue creatura > pater siue filius > gubernator siue gubernatus > ius siue homo / siue uita > factum siue derectum…
O farol iluminante dessa conjugal e conjugada aprendizagem estratégica e dessa dinâmica fundadora reside, antes de mais, no potencial educativo e formativo das Belas Artes e das Humanidades, das Humanae Litterae, dos Studia Humanitatis...
Nesse humanizado e humanizador ensino e aprendizagem, nessa antropagógica, coral e sinfónica Paideia, ir-se-á moldando e configurando o disseminável e universalizável “arquétipo” do «sábio» do nosso tempo, síntese criativa resultante da combinatória do «legislador dos tempos heróicos» com «o moderno titular do saber rigoroso», simbiose harmoniosa e fecundante do humanista e do artista com o pensador e o cientista (Michel Serres)… Paradigma e referência do cidadão generoso, atento e lúcido, audacioso e prudente andarilho da natureza e da sociedade, inquieto e devoto peregrino do orbe inteiro, movido da paixão pelos pássaros, pelos prados e pelas flores, pelos lírios do campo, pelas fontes, pelos rios, pelas areias, pelas nuvens e pelos ventos, pelas montanhas, pelos mares, pelos céus e pelas estrelas, vagueando sem parar pelo intervalo que medeia entre, por um lado, a opulência, a riqueza, a abundância e o esbanjamento e, pelo outro, a miséria, a pobreza, a indigência e a fome, entre o tudo e o nada, a vida e a morte, a esperança e o desespero, a alegria e a festa e as lágrimas e o luto, a sombra e a luz, o conhecimento, o saber e a sabedoria e o analfabetismo, a iliteracia e a ignorância…
Jovem e senhor, fidalgo e plebeu, monge e vagabundo, crente e descrente, santo e pecador, solitário e solidário, local e global e, acima de tudo, ardendo de amor pela Humanidade e pela Terra…


Fernando Paulo Baptista

A IDEIA-MATER DE «UNIVERSIDADE»...

A ideia de «universidade» configura-se e consubstancia-se historicamente (logo lá bem desde a sua aurora eclesial e medieva, sob a designação de Studium Generale...) naquele singular tipo de instituição protagonizadora de um inesgotável «projecto académico» direccionado para o «semafórico» valor da excelência sapiencial (lato sensu), mediatizado pelas funções cardinais que lhe têm sido cometidas: formar, investigar, dinamizar... Tudo isso, condensado, ao longo da sua existência multissecular, na semântica mais funda e mais densa dessa palavra mágica e sacral: «universidade»!
É assim que não deve ser o percuciente e arrastado fenómeno de uma crise a três dimensões — crise de hegemonia, crise de legitimidade e crise institucional, no lúcido e fundamentado diagnóstico de Boaventura de Sousa Santos (em Pela Mão de Alice. O Social e o Político na Pós-Modernidade, Lisboa, Edições Afrontamento, 1994, p. 163 e ss) — que pode, a meu ver, pôr em causa as razões matriciais em que, por definição, assenta ou deve assentar a superior «missão» de uma Universidade, entendida como A PRIVILEGIADA INSTÂNCIA DA BUSCA, DA INVENÇÃO E DA CRIAÇÃO DO SABER E DA SUA APRENDIZAGEM E DIVULGAÇÃO PRIMORDIAIS, como «o memorial do mais alto conhecimento ou reflexão», nas palavras de Eduardo Lourenço (em Nós e a Europa ou as duas razões, Lisboa, IN-CM, 1988, pág. 73), como o determinante lugar onde, na perspectiva de Karl Jaspers (em The Idea of the University, London, Peter Owen, 1965, pp. 19, 51 e ss), cada época histórica «pode cultivar a mais lúcida consciência de si própria» e constituir o inderrogável e estratégico centro e «laboratório» de criação da Alta Cultura e dos mais experimentados, testados, reflectidos, elaborados e convalidados conhecimentos e saberes que conformam o vasto e complexo território da Ciência. Ora essa Cultura e essa Ciência são imprescindíveis para dar resposta capaz aos desafios de desenvolvimento e de progresso e à formação integral dos nossos quadros superiores.
Em suma, a Universidade constitui o referencial histórico e o paradigma axiológico, à luz dos quais se desenham os traços porventura mais nobres, mais densos e mais fortes da nossa identidade de Povo e de País, configurando-se incontornavelmente como A VERDADEIRA ALMA E CORAÇÃO DA CIDADE.
Por tudo isso é que, em relação a ela, de seus Professores e de seus Estudantes, outra atitude não será de esperar senão a da mais exigente, devotada e exemplar dedicação na forma de estudo (em latim: studium) diligente e quotidiano, que é o «modo» académico mais genuíno, mais elevado e mais digno de, simbolicamente, conjugar o verbo «amar»: no fundo, o inconformado e superior modo que deflui dessa insaciável, curiosa e iluminante paixão pela busca, pela investigação, pela descoberta, pela sabedoria...



Fernando Paulo