sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

NASCER E PADECER... DO «PARTO» À «PIETÁ»...

Dedicado, desde logo e em registo de simbólica proximidade, à minhas Amigas do FaceBook; dedicado, acima de tudo e através delas, à memória de minha Mãe e em homenagem a todas as Mulheres que, para além dos «trabalhos do parto», sofreram ou sofrem, na paz ou na guerra, as agónicas e lancinantes dores da morte trágica de seus amados filhos tão precocemente roubados à Vida...


UM APONTAMENTO DE BASE LEXICAL


I. Semântica do «pathos» e do padecer:


a raiz indo-europeia: kwent(h)- / kwnt(h)-
foneticamnente evolucionada para: «path- / pati- / pass-», com as variantes «pass- /pac- / paix- / pati- / pato- »; esta raiz «veicula» a ideia geral de «sofrer, suportar, padecer...», ideia esta, que funciona como uma espécie de “ADN semântico”.


II. Inventário lexemático:

a) lexemas de proveniência latina (*):

apaixonar[-se] apassivante apassivar compaixão compassividade compassivo compatibilidade compatível impacientar[-se] impaciente impassibilidade impassível incompatível paciente paixão passa (s. f.) passibilidade passiflora passiflorácea passional passionalidade passionário passiva passivamente passível passividade passivo passo (adj.) patível…

(*) Relacionáveis com o verbo «patior, -eris, pati, passus sum» [= padecer, sofrer, suportar...] e com outros lexemas da mesma família etimológica [«passio, -onis, passus, passibilis, patientia, compatibilis, compassio»..., etc.]):


b) lexemas de proveniência grega (**):

alopatia alopático antipatia antipático antipatizar apatia apático cardiopatia empatia empático encefalopatia frenopatia hemopatia homeopata homeopatia homeopático patético patetismo patobiologia patofobia patoforese patogenesia patogenia patogénico patognomonia patognóstico patografia patólise patologia patológico patólogo patomania patometabolismo patomímia patonomia patopeia patopoiese psicopatia simpatia simpático simpatizar telepatia…

(**) Relacionáveis com o verbo «pascho» [= receber uma impressão ou uma sensação, sofrer um tratamento bom ou mau] e com outros lexemas da mesma família etimológica: «páthos», «sympátheia», «apátheya»], «empátheia», «pathetikós»...


III. Aplicações / Implicações:


A) — Considerar as díades científicas:

1. «simpático <> simpatético»

2. «simpático <> parassimpático»


1. «Simpático» e «simpatético» são dois termos (provenientes do grego «sympathikos» e «sympathetikos», através do latim medieval «sympathicus» e «sympatheticus») usados em Medicina para designar o «sistema do grande simpático», isto é, a parte do sistema nervoso que está em relação mais directa com os órgãos da vida vegetativa, que interage estreitamente com as vitais dimensões da sensibilidade, da emoção e da afectividade e com a capacidade global de sofrer e que regula, em especial, a circulação e as secreções, intervindo, também, nos actos reflexos.
(Cf. Robert K. Barnhart (ed.), Dictionary of Etymology, New York, Chambers Harrap Publishers Ltd, 2001, entrada “sympathy”, 1105 e também Peter Walker (ed.), Dictionary of Science and Tchnology, New York, Chambers Harrap Publishers Ltd, 1999, entrada “sympathetic nervous system”, 1137).


2. O sistema nervoso vegetativo (autónomo) e seus subsistemas: o sistema nervoso vegetativo (também dito autónomo), exerce a sua influência, essencialmente, sobre os órgãos internos: aparelho digestivo, respiratório, excretor, reprodutor, circulatório e glândulas de secreção interna, ou seja, sobre todos os sistemas que realizam as funções vegetativas do organismo, o metabolismo, o crescimento e a reprodução.
Considerando a disposição dos seus núcleos constitutivos e o tipo de influência por si exercida, o sistema vegetativo divide-se em dois subsistemas: a) o simpático; b) o parassimpático.
(Para uma caracterização bastante clara e acessível do sistema nervoso vegetativo e de seus dois subsistemas, ver L. Gavrilov e v. Tatarinov: Anatomia Humana, Moscovo, Editora MIR, 1988, 319-338; e também António Damásio: a) O Erro de Descartes — Emoção, Razão e Cérebro Humano, Lisboa, Publicações Europa-América, 1995, 108- 195; b) O Sentimento de Si — O Corpo, a Emoção e a Neurobiologia da Consciência, Lisboa, Publicações Europa-América, 2001, 60, 70, 182, 296, 297, 300.



B) — Organizar um «pódio lexical», tendo em vista o destaque do léxico próprio dos usos especializados, designadamente os usos científicos…


Pódio lexical:


simpático
alopatia alopático
antipatia antipático antipatizar apatia
apático cardiopatia empatia empático encefalopatia
frenopatia hemopatia homeopata homeopatia homeopático
patético patetismo patobiologia patofobia patoforese patogenesia
patogenia patogénico patognomonia patognóstico patografia patólise
patologia patológico patólogo patomania patometabolismo patomímia patonomia patopeia patopoiese psicopatia simpatético simpatia simpático simpatizar telepatia…



C — Ler o belo poema de Miguel Torga:



Pietá



Vejo-te ainda, Mãe, de olhar parado,
Da pedra e da tristeza, no teu canto,
Comigo ao colo, morto e nu, gelado,
Embrulhado nas dobras do teu manto.

Sobre o golpe sem fundo do meu lado
Ia caindo o rio do teu pranto;
E o meu corpo pasmava, amortalhado,
De um rio amargo que adoçava tanto.

Depois, a noite de uma outra vida
Veio descendo lenta, apetecida
Pela terra-polar de que me fiz;

Mas o teu pranto, pela noite além,
Seiva do mundo, ia caindo, Mãe,
Na sepultura fria da raiz.

Miguel Torga, Poesia Completa [Diário I],
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2000, 117



Sugestão final:


1. Ler / dizer o poema, visionando a «Pietá» de Michelangelo Buonarroti (basta abrir, por exemplo, em: http://it.wikipedia.org/wiki/Piet%C3%A0_(arte);

2. Escutar (em atitude meditativa e «mística»...) a «St. Matthew Passion», BWV 244 / Part One - No.3 Choral: "Herzliebster Jesu, was hast du verbrochen" by English Baroque SoloistsFrom the Album Bach, J.S.: St. Matthew Passion, BWV 244). Considerar, para o efeito, a «transcrição» aqui presente nesta página do meu «mural»...


Nota final: tenho imensa pena de não ser possível a transcrição das palavras gregas com os caracteres do grego clássico.


Com todo o carinho,

Vosso
Fernando Paulo

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

PARA UM NOVO ARQUÉTIPO DE «SÁBIO»!...

Face ao global contexto da profunda crise em que o planeta está mergulhado, torna-se imperioso não só aprender a dominar e a regular estrategicamente o efectivo e tremendo poder que já vimos exercendo sobre a natureza, sobre o homem e sobre o mundo, mas também instituir a mathesis, a aletheutica, a metrica, a sophia e a sophrosyne de uma nova Educação, de uma nova Ética e de um novo Direito: natura siue humanitas > humanitas siue cultura siue paideia > magister siue discipulus > creator siue creatura > pater siue filius > gubernator siue gubernatus > ius siue homo / siue uita > factum siue derectum…
O farol iluminante dessa conjugal e conjugada aprendizagem estratégica e dessa dinâmica fundadora reside, antes de mais, no potencial educativo e formativo das Belas Artes e das Humanidades, das Humanae Litterae, dos Studia Humanitatis...
Nesse humanizado e humanizador ensino e aprendizagem, nessa antropagógica, coral e sinfónica Paideia, ir-se-á moldando e configurando o disseminável e universalizável “arquétipo” do «sábio» do nosso tempo, síntese criativa resultante da combinatória do «legislador dos tempos heróicos» com «o moderno titular do saber rigoroso», simbiose harmoniosa e fecundante do humanista e do artista com o pensador e o cientista (Michel Serres)… Paradigma e referência do cidadão generoso, atento e lúcido, audacioso e prudente andarilho da natureza e da sociedade, inquieto e devoto peregrino do orbe inteiro, movido da paixão pelos pássaros, pelos prados e pelas flores, pelos lírios do campo, pelas fontes, pelos rios, pelas areias, pelas nuvens e pelos ventos, pelas montanhas, pelos mares, pelos céus e pelas estrelas, vagueando sem parar pelo intervalo que medeia entre, por um lado, a opulência, a riqueza, a abundância e o esbanjamento e, pelo outro, a miséria, a pobreza, a indigência e a fome, entre o tudo e o nada, a vida e a morte, a esperança e o desespero, a alegria e a festa e as lágrimas e o luto, a sombra e a luz, o conhecimento, o saber e a sabedoria e o analfabetismo, a iliteracia e a ignorância…
Jovem e senhor, fidalgo e plebeu, monge e vagabundo, crente e descrente, santo e pecador, solitário e solidário, local e global e, acima de tudo, ardendo de amor pela Humanidade e pela Terra…


Fernando Paulo Baptista

A IDEIA-MATER DE «UNIVERSIDADE»...

A ideia de «universidade» configura-se e consubstancia-se historicamente (logo lá bem desde a sua aurora eclesial e medieva, sob a designação de Studium Generale...) naquele singular tipo de instituição protagonizadora de um inesgotável «projecto académico» direccionado para o «semafórico» valor da excelência sapiencial (lato sensu), mediatizado pelas funções cardinais que lhe têm sido cometidas: formar, investigar, dinamizar... Tudo isso, condensado, ao longo da sua existência multissecular, na semântica mais funda e mais densa dessa palavra mágica e sacral: «universidade»!
É assim que não deve ser o percuciente e arrastado fenómeno de uma crise a três dimensões — crise de hegemonia, crise de legitimidade e crise institucional, no lúcido e fundamentado diagnóstico de Boaventura de Sousa Santos (em Pela Mão de Alice. O Social e o Político na Pós-Modernidade, Lisboa, Edições Afrontamento, 1994, p. 163 e ss) — que pode, a meu ver, pôr em causa as razões matriciais em que, por definição, assenta ou deve assentar a superior «missão» de uma Universidade, entendida como A PRIVILEGIADA INSTÂNCIA DA BUSCA, DA INVENÇÃO E DA CRIAÇÃO DO SABER E DA SUA APRENDIZAGEM E DIVULGAÇÃO PRIMORDIAIS, como «o memorial do mais alto conhecimento ou reflexão», nas palavras de Eduardo Lourenço (em Nós e a Europa ou as duas razões, Lisboa, IN-CM, 1988, pág. 73), como o determinante lugar onde, na perspectiva de Karl Jaspers (em The Idea of the University, London, Peter Owen, 1965, pp. 19, 51 e ss), cada época histórica «pode cultivar a mais lúcida consciência de si própria» e constituir o inderrogável e estratégico centro e «laboratório» de criação da Alta Cultura e dos mais experimentados, testados, reflectidos, elaborados e convalidados conhecimentos e saberes que conformam o vasto e complexo território da Ciência. Ora essa Cultura e essa Ciência são imprescindíveis para dar resposta capaz aos desafios de desenvolvimento e de progresso e à formação integral dos nossos quadros superiores.
Em suma, a Universidade constitui o referencial histórico e o paradigma axiológico, à luz dos quais se desenham os traços porventura mais nobres, mais densos e mais fortes da nossa identidade de Povo e de País, configurando-se incontornavelmente como A VERDADEIRA ALMA E CORAÇÃO DA CIDADE.
Por tudo isso é que, em relação a ela, de seus Professores e de seus Estudantes, outra atitude não será de esperar senão a da mais exigente, devotada e exemplar dedicação na forma de estudo (em latim: studium) diligente e quotidiano, que é o «modo» académico mais genuíno, mais elevado e mais digno de, simbolicamente, conjugar o verbo «amar»: no fundo, o inconformado e superior modo que deflui dessa insaciável, curiosa e iluminante paixão pela busca, pela investigação, pela descoberta, pela sabedoria...



Fernando Paulo

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Da Educação (Excurso III)

Da consideração do inventário de significados suscitados na nossa mente pelo lexema ‘educação’ (através de um exercício de consulta levado a cabo nos nossos dicionários de língua portuguesa), ressaltam quatro fundamentais pólos de interpretação, compreensão e inteligibilidade conceptual e cognitiva, interligados e integrados num alinhamento sintáctico de natureza fenomenológica e processológica por que se distribui um forte sentido arquitectónico e sistematizador, tanto de intenção teorética como práxico-poiética:

– a educação — enquanto acção endógena e exogenamente orientada e conduzida para o «alimento» e o desenvolvimento integrado do ser humano (considerado, antidualisticamente, em sua complexa e intrínseca unidade «corpo-mente», «corpo-espírito» [body-mind] …), designadamente das qualidades e capacidades corpóreas, sensoriais, afectivas, noéticas, intelectuais, axiológicas, poéticas, estéticas, éticas, atitudinais, sociais, etc.;

– a educação enquanto efeito e metamorfose, decorrentes dessa acção;

– a educação enquanto processo de instrução, ensino e formação, com diferentes graus e níveis de institucionalização, formalização, exigência e consecução;

– a educação enquanto específico sistema e serviço social, constitutivamente fundamentado em princípios antropológico-culturais, histórico-geográficos, político-sociológicos, filosófico-axiológicos e epistemológicos que comporta os indispensáveis meios organizacionais, institucionais, estruturais e funcionais, tendo em vista a consecução dos fins que justificam e legitimam a sua existência.


(De notar que o nome ‘educação’ provém do substantivo latino educatio, -onis [= em sentido literal: criação de animais ou de crianças, alimentação…; em sentido figurado: formação, instrução, ensino…], portador da mesma raiz — duc- — presente nos verbos educare [= fazer crescer, nutrir, alimentar, cuidar de, criar…, formar, educar…] e educere [<>+ ducere = fazer sair de, conduzir e orientar «para fora», a partir de dentro…].

Por outro lado e a propósito da unidade «corpo-mente» [body-mind], creio não estar errado quando penso que o «corpo glorioso» de que, no contexto da ressurreição final, se fala no Evangelho (cf.: Mt 22, 23-33) consubstancia bem essa irredutível unidade definitivamente consagradora do valor do «corpo humano vivo», tanto mais que, na própria celebração do sacramento da eucaristia (sacramento da plenitude «nutriciente» vivificante, tonificante e reconstitutiva e, assim, da sustentabilidade perenizante e transcendente...), não se recebe propriamente, de modo isolado, o spiritus ou a anima Christi: o que se recebe é, sim, inteira e unitariamente, o corpus Christi, o corpo de Cristo, sendo que, na sagração e transubstanciação da hóstia, o sacerdote diz: «hoc est enim corpus meum»; e não: «hoc est enim anima mea» ou «hoc est enim spiritus meus»...

Para a indispensável articulação correlacionante e co-implicante «corpo-alma <> eucaristia <> corpo ressuscitado», ver: Concílio Ecuménico Vaticano II — Constituições, Decretos, Declarações e Mensagens Conciliares, Coimbra, Gráfica de Coimbra, 2002, 197 ss, 350 ss e passim; ver também: Catecismo da Igreja Católica — Compêndio, Coimbra, Gráfica de Coimbra, 2005, 87 ss, artigos 202-206, e 116 ss, artigos 271-294 e passim. Para mais fácil consulta, recorrer aos funcionalíssimos índices temáticos e conceptuais: «corpo», «eucaristia», «comunhão», «ressurreição dos mortos», «transubstanciação»...)


No modo de conceber e entender a ideia de «educação», importa destacar a omnipresença das vertentes teorética, práxica, crítica, estética, poética e axiológica por que ela se desdobra, bem como a irredutível dimensão cultural em que ela concretamente se institui, organiza e desenvolve, enquanto possibilidade da evolução sapiencial e formativa estruturantemente modeladora de pessoas, instituições e sociedades, enquanto capacitação maior da constante e sistemática interpretação e compreensão antropológica e da antrópica superação do homem por si próprio, enquanto imprescindível condição não só para a concepção, melhor fundamentada, de uma «visão» holística e «holofótica» do mundo, mas também e sobretudo para a realização integrada e desejavelmente integral da humanidade do homem (somatosférico, psicosférico, sociosférico, biosférico, geo-cosmosférico…), assumindo-se, desse modo, como motor sereno do processo global da humanização...

Defluente de uma construção epistemologicamente mais consistente e coerente e, assim, mais adequadamente iluminante dos próprios actos, caminhos e trajectos que configuram a sua yevr€a (theoria) prospectiva, descritiva e explicativa, a sua prãjiw (praxis) empenhada e transformadora, a sua a‡syhsiw (aisthesis) receptora, compreensiva e interiorizadora, a sua kr€siw (krisis) judicativa, distintiva, diferenciadora e decisional e a sua po€hsiw (poiesis) instauradora, inventivo-inovadora e criatiava, a Educação configura a irrenunciável e inesgotável utopia e o inalienável thesaurus tão afincadamente defendidos pela Comissão Delors (Cf. Jacques Delors (org.): «La educación o la utopia necesaria», apud AAVV: La educación encierra un tesoro, Madrid, Grupo Santillana de Ediciones / UNESCO, 1996, 13; Educação: um tesouro a descobrir — Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, Porto, Edições ASA, 1996.), em suma, a libertadora Magna Charta Humanitatis, perpetuadora daquela mesma Paide€a (Paideia) que os mais famosos Sábios da velha Hélade imortalizaram para sempre na Cultura da Europa e do Mundo.

Fernando Paulo Baptista

Da Educação (Excurso II)

Uma concepção da cidadania que se pretenda actualizada e inovadora não pode deixar de considerar, hoje, as cinco dimensões essenciais a que, com inteira pertinência, se refere Roberto Carneiro (cf. Roberto Carneiro: Fundamentos da Educação e da Aprendizagem, Vila Nova de Gaia, Fundação Manuel Leão, 2001, 264-267) — dimensões essas que aqui reescrevo em complementante e mais desenvolvida paráfrase:

1 – a dimensão da democraticidade, fundada na centralidade do valor e da dignidade da pessoa humana, com toda a espécie de implicações daí decorrentes, nomeadamente: o acesso efectivo à saúde, à alimentação, à educação, à grande arte, à grande cultura e à grande ciência, à formação ao longo da vida (lifelong learning), à «multimedialidade» (cf. Roberto Maragliano: Esseri multimediali. Immagini del bambino di fine millennio, Firenze, La Nuova Italia, 1996) e à «enciclomedialidade» (cf. por todos, Umberto Eco: Encyclomedia: guida multimediale alla storia della civiltà europea [risorsa elettronica], Milano, Opera Multimedia, 1995-1998) e ao domínio das novas linguagens da comunicação, bem como o direito ao exercício da livre crítica na desmontagem argumentativa das mensagens manipuladoras, à garantia do pluralismo no pensamento e na acção...;

2 – a dimensão da socialidade, co-envolvendo a formação de uma forte consciência dos direitos e dos deveres sociais e de um sentido solidário e pró-activo perante fenómenos como os da pobreza, da exclusão e da marginalidade, a realização dos valores da justiça e da equidade, o incremento da igualdade de oportunidades, a defesa dos desvalidos e dos mais fracos...;

3 – a dimensão da paridade, com a promoção despreconceituosa do desenvolvimento superador de toda a espécie de assimetrias e, assim, a valorização simétrica, harmoniosa e transelitista das potencialidades do ser humano, através do combate, sem tréguas, a todo e qualquer tipo de discriminação, exclusão, segregação ou violência...;

4 – a dimensão da interculturalidade, com a defesa universal da diversidade das culturas, o respeito pela afirmação da singularidade de cada uma, ainda que minoritária, o cultivo do diálogo polifónico, aberto e compreensivo e a recusa de qualquer tipo de tentação de natureza imperial, hegemónica ou neocolonialista...;

5 – a dimensão da ambientalidade ecossistémica, com o sagrado respeito pela Terra, a imperativa preservação dos bens da natureza, da biodiversidade e do equilíbrio e sanidade dos elementos, no quadro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável e na perspectiva da salvaguarda da vida e do futuro humano do Planeta...

Essa postura multidimensional de fundo implica necessariamente a defesa intransigente da já referida parificação relativamente a todo e qualquer cidadão, contra toda e qualquer manifestação preconceituosa, xenófoba, discriminatória e exclusora ou contra o não reconhecimento do inviolável direito de sermos diferentes, no pressuposto ontopoiético de que o outro, longe de ser o sartriano inferno («l’enfer c’est les autres» [cf. Jean-Paul Sartre: Huis Clos, Paris, Gallimard, 1986, 41]), é, pelo contrário, o constituinte primigénio da nossa própria ontidade e identidade (cf., por todos, Martin Buber:¿Qué es el Hombre?, México-Madrid-Buenos Aires, Breviários, FCE, 131986; Eclipse de Dios, Salamanca, Ediciones Sígueme, 2003 e Emmanuel Lévinas: Totalidad e Infinito – Ensayo sobre la exterioridad, Salamanca, Ediciones Sígueme, 72002)...

O que significa que, na Cidade, todos devemos ser equitativamente iguais de facto e de direito (ou mais explicitamente: de direitos e de deveres, de obrigações e de condições…), designadamente no que toca àquela legítima garantia que, nas já evocadas três fundamentais fases, estádios ou períodos da nossa antropo-ontogénese — infância > adolescência > adultez —, nos permite aceder (sem outras restrições ou limites que não sejam os da nossa finitude existencial...) ao tesouro mais precioso da Humanidade: a Educação, a Cultura, a Arte, a Ciência, o Saber, a Sabedoria...

Por tudo isso, não consigo deixar de pensar e imaginar o que é que não viria a acontecer com cada uma das crianças do nosso país (de todos os países...), se lhe fosse dada a possibilidade e a oportunidade de percorrer, do princípio ao fim, os três naturais e atrás referidos grandes estádios ou períodos evolutivos e educativo-formativos, para poder crescer e ser mais e ser melhor, à sua maneira e à medida do que for sendo capaz, e partilhar activamente, em sua diferença e autonomia, em sua liberdade e em sua responsabilidade, a intérmina construção da «Catedral da Humanidade»...

É, ainda assim, que não desisto de me interrogar: não será essa Paideia Global e Avançada o mais importante dos «rios a norte do futuro» que importa que todos atravessem, por forma a potenciar a antrópica e sapiencial «explosão de todos os sóis», se me é lícito dizê-lo com estas feéricas e plenificantes metáforas de Paul Celan (cf. Paul Celan: Sete Rosas Mais Tarde — Antologia Poética [ed. bilingue de João Barrento e Y. K. Centeno], Lisboa, Edições Cotovia, 21996, 121, 109)?... E não será essa, também, a mais bela das utopias, alimentadora de todas os sonhos, desejos e esperanças e propulsora de uma verdadeira Mecânica Quálica da Humanidade, de uma inspirada e neguentrópica Poiética da Antropogénese?... Há que proporcionar, então, os indispensáveis meios e condições para que cada ser possa criar-se e desenvolver-se, vitalmente e sem limites, no fascínio, no sortilégio e no paradoxo de ser, concretamente e ao mesmo tempo, um ser singular e universal!...

DA EDUCAÇÃO (Excurso I)

Todo e qualquer cidadão à luz do que está consignado, há várias décadas, na Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigos 1.º e 26.º), adoptada e proclamada pela Assembleia Geral da ONU, na sua resolução 217A (III), de Dezembro de 1948 (decorrido, portanto, mais de meio século...), e também com o que vem sendo defendido em conferências internacionais específicas (e.g.: a Conferência Mundial sobre o Ensino Superior, UNESCO, Paris, Outubro de 1998), tem o direito de aceder a todos os níveis da Educação e do Ensino, desde o Ensino Básico ao Ensino Superior inclusive, em coerente sintonia com o sentido da caminhada evolutiva e progressiva da História e da Cultura, em direcção à plena humanização do Homem, e de harmonia com as dinâmicas morfoplásmicas subjacentes aos três fundamentais estádios ou períodos vitais por que se desenvolve o processo antropo-ontogenético:

Infância > Adolescência > Adultez.

Importa sublinhar que um sistema educativo, coerentemente organizado, contempla, isomorficamente e em princípio, nos planos da «sintaxe» curricular e da prestação de serviço público, três grandes e homólogas sequências ou fases educativo-formativas que deveriam estar adequadamente articuladas entre si ao nível da concepção, da estruturação e do funcionamento:

Ensino Básico > Ensino Secundário > Ensino Superior.

Na decorrência de uma tal perspectiva ontogenética, antropológica, político-jurídica e organizacional, a arquitectura global de um verdadeiro sistema educativo, mais do que inspirar-se num «paradigma científico-tecnológico» instrumentificante dos actos educativos e formativos e gerador do poderoso «quadrimotor louco» (co-envolvendo a ciência, a técnica e tecnologia, a indústria e o lucro desenfreado do capitalismo selvagem...) de que fala Edgar Morin e que vem avassalando sombriamente Deméter, a nossa Terra-Mãe, deverá ser, em meu convicto entendimento, a expressão consubstanciadora de um novo e inovador «paradigma humanista» de matriz artística (estético-poética), antropológico-cultural e axiológica que coloque o ser humano — ênyrvpow [anthropos] — no coração do processo educativo e formador, enquanto protagonista maior desse mesmo processo, ou seja, enquanto sujeito de todas as aprendizagens, livre, responsável e solidariamente activo e criativo, por forma a situar a técnica, a ciência e a tecnologia — a «tecnociência» — no pólo dos meios e a integrá-las, de forma inclusora mas subordinada, na lógica dos princípios e na teleonomia dos fins.

(Para estas correlações e implicações, ver, entre outros: Edgar Morin: O Método V. — A Humanidade da Humanidade, Lisboa, Publicações Europa-América, 2003, 236; Adams, D. L., & Others: «Science, technology and human values: An interdisciplinary approach to science education», apud “Journal of College Science Teaching”, 1986, 15(4), 254-258; Giuseppe Longo: Homo technologicus, Roma, Meltemi, 2001; Emilio Martínez Navarro: Ética para el Desarrollo de los Pueblos, Madrid, Trotta, 2000, 127 ss, 189 ss; Rémi Brague: A Sabedoria do Mundo, Lisboa, Edições Piaget, 2002, passim; Javier Echeverría: Ciencia y Valores, Barcelona, Ediciones Destino, 2002, 117 ss, 211 ss; José Luis Molinuevo: Humanismo y Nuevas Tecnologías, Madrid, Alianza, 2004, 67-230; Pedro Ortega Ruiz y Ramón Mínguez Vallejos: Los valores en la educación, Barcelona, Ariel Educación, 2001, 205-253).

É por isso que proponho como ideia fundadora para a nossa educação da infância (que, em meu convicto entendimento, deveria constituir «a pedra angular» de qualquer sistema educativo…) o lema de que «cada criança é um poeta», de que «cada criança é um artista» («every child a poet; every child an artist»)... E faço-o, em clara, profiláctica e harmonizante sobre-posição (mas nunca, em exclusora contra-posição...) ao slogan do «every child a scientist» que tem vindo a atravessar, em quase avassaladora «monofonia», os jardins de infância dos Estados Unidos da América!…

(Cf. a proposta subscrita pelo National Research Council, plasmada na divulgadíssima brochura intitulada «Every Child a Scientist» — Achieving Scientific Literacy for All», Washington, DC, National Academy Press, 1998.)

Por outro lado, parece ter todo o cabimento e sentido desmontar, com fundamentada reflexão crítica, o preconceito do elitismo e a usura do marketing da excelência apriorística e virtual contra os princípios antropológicos e demótico-génicos da isogenia, da isotopia, da isonomia, da isegoria, em suma, da isopaideia e da isopoliteia, o mesmo é dizer, da parificação ôntico-ontológica, axiológica, antropagógica e política (politeica) da efectiva igualdade de acesso e de oportunidades, devidamente sustentada... Ou seja, torna-se cada vez mais urgente e pertinente o empenhamento ético-político na construção da real e efectiva igualdade de todos em tudo, e sempre na base do constante respeito pelas diferenças qualitativas reveladoras do mérito relativo de cada um e pelas competências e responsabilidades institucionais inerentes aos desempenhos hierárquicos, orgânicos e funcionais concretos

(A fundamentação para a elaboração deste meu «quadro conceptual» advém, entre outros, de Noberto Bobbio: Teoría General de la Política, Madrid, Editorial Trotta, 2003, 323 ss; Rosa Maria Rodríguez Magda: Transmodernidad, Barcelona, Anthropos Editorial, 2004, 147 ss e passim; Michelangelo Bovero: Una gramatica de la democracia — contra el gobierno de los peores, Madrid, Editorial Trotta, 2002, 15-33, 117 ss); Francisco Serra: História, política y derecho en Ernst Bloch, Madrid, Editorial Trotta, 1998, 27-30, 44).

Mas essa reflexão crítica e esse empenhamento axiológico não dispensam (não podem dispensar...) a assunção de uma adequada postura de fundo relativamente à questão da cidadania (em grego: ≤ polite€a [he politeia]), se esta for entendida (como julgo que deve ser...) como a qualidade, a condição e o estatuto identitário com o respectivo código de direitos e deveres, inerentes ao facto de ser cidadão (ı pol€thw [o polites]), isto é, ser, de corpo inteiro, membro constitutivo e integrante de uma comunidade política (≤ koinon€a ≤ politikÆ [he koinonia e politike]), o mesmo é dizer, de uma «comunidade de cidadãos», bem como o sistema e o regime organizativo e jurídico-administrativo da vida em sociedade, configurada, outrora, nas multímodas dinâmicas da «Pólis» (PÒliw) ou da «Ciuitas» e, actualmente, do Estado-Nação e, mais alargada e englobantemente ainda, da Comunidade das Nações ou da Comunidade Humana Planetária.

Fernando Paulo Baptista